03/04/2009

Liberdade Condicional

Quando o senhor Keuner, o que pensa, estava a usar da palavra contra a Violência num salão diante de muita gente, reparou como as pessoas à sua frente se afastavam dele e se iam embora, virou a cabeça para olhar e viu que atrás dele estava - a Violência.
«Que é que estás a dizer?» perguntou-lhe a Violência.
«Estava a pronunciar-me a favor da violência» respondeu o senhor Keuner.
Quando o senhor Keuner já tinha saído os alunos perguntaram-lhe o que era feito da sua verticalidade. O senhor Keuner respondeu-lhes: «Vertical é coisa que eu não sou, não estou para que me partam a espinha. É que eu tenho forçosamente que viver mais tempo do que a Violência». E o senhor Keuner contou a seguinte história:
"À casa do senhor Egge, que tinha aprendido a dizer não, chegou um dia, no tempo da ilegalidade, um agente que lhe pôs diante dos olhos um certificado, o qual tinha sido passado em nome daqueles que se assenhoravam da cidade, e no qual se dizia que haveria de pertencer-lhe cada casa onde ele pusesse os pés; e haveria ainda igualmente de lhe pertencer cada refeição que ele cobiçasse; e haveria ainda igualmente de servi-lo cada homem que ele visse.
O agente sentou-se numa cadeira, mandou vir de comer, lavou-se, deitou-se para baixo e perguntou com a cara virada para a parede, antes de adormecer: «Vais estar ao meu serviço?»
O senhor Egge cobriu-o com uma manta, enxotou as moscas, velou-lhe o sono e, igual a esse dia, serviu-o durante sete anos. Mas, por mais coisas que fizesse por ele, uma coisa se coibiu ele de fazer: dizer uma palavra que fosse.
Quando então se cumpriram os sete anos e o agente acabara por ficar gordo de tanto comer, dormir e mandar, o agente morreu. Então o senhor Egge embrulhou-o na manta coçada, arrastou-o de casa para fora, lavou a cama, caiou as paredes, respirou fundo e respondeu: «Não.»"

in "Histórias do Senhor Keuner", de Bertolt Brecht

01/04/2009

Ele e Ela com Ele e Ela (Ensemble C'est Tout)


Nada. Ele começa a aproximar-se de mim, mas ela espera pela noite mais noite. Continua...troca de olhares, sorriso, conversa. Ambos com ele...ela com ele e já com ela também! As conversas começam a emergir: cruzam-se mas não se intersectam. Final do jantar. Ela foge com um ar ingénuo e pesado. Compasso de espera: vamos procurá-la visto que ele já cá está (pelo menos comigo ele está e está a ser bom)! Já a encontrámos, ela não se entrega de vez...vai apenas aproximando-se! Luzes, som, pessoas! No meio de olhares, palavras, fumo dele, e beijos, ela aproxima-nos e tudo começa. Se sim, não me lembro! Só sei que ele e ela com ele e ela, fizeram a noite! Só olhares.